segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

REFLEXÃO CONSCIENTE E NEGRA

Aos 303 anos da morte de zumbi dos Palmares, onde, em todo orbi da nação brasileira comemoramos mais um Dia da Consciência Negra, sinto a necessidade de resgatar a real definição da expressão nacional que ora vigora na mente de todo o povo brasileiro, por uma razão muito simples: “a História, tal qual eu a entendo, é um processo contínuo de práticas e lutas humanas diversificadas, encontrando-se em permanente construção.” – Ivan Alves Filho, Revista CARTA’
Acredito que, depois de ter passado cerca de 37 anos de sua citação e lançado ao vento, aos sete mares, muitas concepções, entendimentos, reflexões e deturpações surgiram, por força do tempo decorrido e do imaginário popular, urge a necessidade de refletirmos e trazer para a realidade nacional a sua verdadeira definição, uma vez que, não podemos esquecer, somos o segundo maior país de população negra do mundo.
Escrito durante a luta contra o regime branco de opressão segregacionista e racista que foi o Apartheid, "A Definição da Consciência Negra" foi um marco na luta do povo preto na África do Sul. Conhecer a história e luta de Biko é buscar novos rumos para uma nova humanidade, onde a opressão mantida pelo homem branco não seja a moeda corrente.
Redigido provavelmente em dezembro de 1971, por Bantu Steve Biko, este escrito destinava-se a um curso de treinamento para lideranças da SASO – Organização de Estudantes Sul-Africanos, incluído aqui como um exemplo do que Steve dizia aos membros de sua própria organização, portanto do que brotava do cerne de sua própria experiência e da deles.
Considerando a importância da origem da expressão Consciência Negra e a inter-relação com a realidade brasileira, tomei a liberdade de adaptar o texto de Steve a nossa realidade.
Definimos os negros como aqueles que, por lei ou tradição, são discriminados política, econômica e socialmente como um grupo na sociedade e que se identificam como uma unidade na luta pela realização de suas aspirações. Tal definição manifesta para nós alguns pontos:
1- Ser negro não é uma questão de pigmentação, mas o reflexo de uma atitude mental;
2- Pela mera descrição de si mesmo como negro, já se começa a trilhar o caminho rumo à emancipação, já se esta comprometido com a luta contra todas as forças que procuram usar a negritude como um rótulo que determina subserviência.
A partir dessas observações, portanto, vemos que a expressão negro não é necessariamente abrangente, ou seja, o fato de sermos todos não brancos não significa necessariamente que todos somos negros. Os negros “os negros verdadeiros” são os que conseguem manter a cabeça erguida em desafio.
Assim, numa breve definição, a Consciência Negra é, em essência, a percepção pelo homem negro da necessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da causa de sua atuação “a negritude de sua pele” e de agir como um grupo, a fim de se libertarem das correntes que os prendem em uma servidão perpétua. Procura provar que é mentira considerar o negro uma aberração. É a manifestação de uma nova percepção de que, ao procurar fugir de si mesmos, os negros estão insultando a inteligência de quem os criou negros. Portanto, a Consciência Negra toma conhecimento de que o plano de Deus deliberadamente criou o negro, negro. Procura infundir na comunidade negra um novo orgulho de si mesma, de seus esforços, seus sistemas de valores, sua cultura, religião e maneira de ver a vida.
A inter-relação entre a consciência do ser e o programa de emancipação é de importância primordial. Os negros não mais procuram reformar o sistema, porque isso implica aceitar os pontos principais sobre os quais o sistema foi construído. Os negros se acham mobilizados para transformar o sistema inteiro e fazer dele o que quiserem. Um empreendimento dessa importância só pode ser realizado numa atmosfera em que as pessoas estejam convencidas da verdade inerente à sua condição. Portanto, a libertação tem importância básica no conceito de Consciência Negra, pois não podemos ter consciência do que somos e ao mesmo tempo permanecermos em cativeiro. Queremos atingir o ser almejado, um ser livre.
O movimento em direção à Consciência Negra é um fenômeno que vem se manifestando em todo o chamado Terceiro Mundo. Não há dúvidas de que a discriminação contra o negro em todo o planeta tem origem na atitude de exploração. Através da História, a colonização de países brancos pelos brancos resultou, na pior das hipóteses, numa simples fusão cultural ou geográfica, ou, na melhor, no abastardamento da linguagem. É verdade que a história das nações mais fracas é moldada pelas nações maiores. Por isso somos forçados a concluir que a exploração dos negros não é uma coincidência. Foi um plano deliberado que culminou no fato de até mesmo os chamados países independentes negros não terem atingido uma independência real.
Com esse contexto em mente, temos de acreditar então que essa é uma questão de possuir ou não possuir, em que os brancos foram deliberadamente determinados como os que possuem, e os negros os que não possuem.
Devemos então aceitar que uma análise de nossa situação em termos da cor das pessoas desde logo leva em conta o determinante único da ação política “isto é, a cor”.
Para a abordagem da Consciência Negra, reconhecemos a existência de uma força principal na África do Sul e no Mundo. Trata-se do racismo branco. Essa é a única força contra a qual todos nós temos de lutar. Ela opera com uma abrangência enervante, manifestando-se tanto na ofensiva quanto em nossa defesa. Até hoje seu maior aliado vem sendo nossa recusa em nos reunirmos em grupo, como negros, pois nos disseram que essa atitude é racista. Os seus agentes se encontram sempre entre nós, dizendo que é imoral nos fecharmos num casulo, que a resposta para nosso problema é o diálogo e que a existência do racismo em alguns setores é uma infelicidade, mas precisamos compreender que as coisas estão mudando. Na realidade esses são os piores racistas, porque se recusam a admitir nossa capacidade de saber o que queremos. Suas intenções são óbvias: desejam fazer o papel do barômetro pelo qual o resto da sociedade pode medir os sentimentos do mundo negro. Esse é o aspecto que nos faz acreditar na abrangência do poder, porque ele não só nos provoca, como também controla nossa resposta a essa provocação.
Mas o que nos interessa no momento são atitudes grupais e a política grupal. A exceção não faz com que a regra seja mentirosa, apenas a confirma.
Portanto, a análise global baseada na teoria hegeliana do materialismo dialético, é a seguinte: uma vez que a tese é um racismo, só pode haver uma antítese válida, isto é, uma sólida unidade negra para contrabalançar a situação. Se o Brasil deve se tornar um país em que brancos e negros vivam juntos em harmonia, sem medo da exploração por parte de um desses grupos, esse equilíbrio só acontecerá quando os dois opositores conseguirem interagir e produzir uma síntese viável de idéias e um modus vivendi. Nunca podemos empreender nenhuma luta sem oferecer uma contrapartida forte àqueles que permeiam nossa sociedade de modo tão efetivo.
Precisamos eliminar de imediato a idéia de que a Consciência Negra é apenas uma metodologia ou um meio para se conseguir um fim. O que a consciência Negra procura fazer é produzir, como resultado final do processo, pessoas negras de verdade que não se considerem meros apêndices da sociedade. Essa verdade não pode ser revogada. Não precisamos pedir desculpas por isso, porque é verdade que os sistemas vêm produzindo em todo mundo grande número de indivíduos sem consciência de que também são gentes. Nossa fidelidade aos valores que estabelecemos para nós mesmo também não pode ser revogada, pois sempre será mentira aceitar que os valores eurocêntricos são necessariamente os melhores. Chegar a uma síntese só é possível com a participação na política de poder. Num dado momento, alguém terá que aceitar a verdade.
O que faremos quando atingirmos nossa consciência? Já definimos o que para nós significa uma integração real, e a própria existência de tal definição é um exemplo de nosso ponto de vista. De qualquer modo, nos preocupamos mais com o que acontece agora que com o que acontecerá no futuro. O futuro sempre será resultado dos acontecimentos presentes.
Não se pode subestimar a importância da solidariedade dos negros com relação aos vários segmentos da comunidade negra. No passado houve muitas insinuações de que uma unidade entre negros não era viável porque eles se desprezam um ao outro.
O que se deve ter sempre em mente é que:
1. Somos todos oprimidos pelo mesmo sistema;
2. Ser oprimidos em graus diferentes faz parte de um propósito deliberado para nos dividir não apenas socialmente, mas também com relação às nossas aspirações;
3. Pelo motivo citado acima, é preciso que haja uma desconfiança em relação aos planos do inimigo e, se estamos igualmente comprometidos com o problema da emancipação, faz parte de nossa obrigação chamar a atenção dos negros para esse propósito deliberado;
4. Devemos continuar com nosso programa, chamando para ele somente as pessoas comprometidas e não as que se preocupam apenas em garantir uma distribuição eqüitativa dos grupos em nossas fileiras.
Esse é um jogo comum entre os liberais. O único critério que deve governar toda nossa ação é o compromisso.
Outras preocupações da Consciência Negra dizem respeito às falsas imagens que temos de nós quanto aos aspectos culturais, educacionais, religiosos e econômicos. Não devemos subestimar essa questão. Sempre existe uma interação entre a história de um povo, ou seja, seu passado, e a fé em si mesmo e a esperança em seu futuro. Temos consciência do terrível papel desempenhado por nossa educação e nossa religião, que criaram entre nós uma falsa compreensão de nós mesmos. Por isso precisamos desenvolver esquemas não apenas para corrigir essa falha, como também para sermos nossas próprias autoridades, em vez de esperar que os outros nos interpretem.
Quero enfatizar novamente que temos de saber com muita nitidez o que queremos dizer com certas expressões e qual o nosso entendimento quando falamos de Consciência Negra.

Professor Marcelo Monteiro
Presidente Nacional do CETRAB
Centro de Tradições Afro-Brasileiras

A ESCRAVIDÃO NO BRASIL

As origens étnicas dos nossos imigrantes negros.
Diversas foram as famílias divididas, na sua plenitude, pelas Américas, durante o período colonial, variando das mais diversas cidades que hoje já não são citadas, na grande maioria das vezes por desconhecimento, Wolof, Kupo, Mandinga, Diolo, Peulh, Bambara, Sisola, Krobo, Asanti, Fanti, Basari, Kotocoli, Gá, Ewe, Mina, Mahii, Fon, Yorubá, Ketu, Tapa, Nupe, Ijesa, Ifé, Efan, Oyo, Ibadan, Ondo, Ekiti, Ikoi, Hausa, Fulani, Ibidio, Tev, Efik, Ijebu, Benin, Ilorin, Endembo, Mushii, Congo, Zulu, Cabinda, Benguela, Bantu, Monjolo, Soba, Masai, dentre outros, dando origem as diversas nações cultuadas atualmente através do Candomblé.
A organização social dos povos daquele continente, como podemos observar através dos filmes do período medieval, facilitava o tráfico visto que a escravidão era uma penalidade imposta aos mais diversos tipos de delinqüência e aos reis era legalmente permitido escravizarem súditos. Durante as guerras tribais, grande parte das aldeias vencidas eram levadas ao cativeiro e assim tornando-se mercadoria que possibilitava a negociação. Por força do ódio e de rivalidades, os traficantes aproveitavam-se do produto que era negociado nas Américas.
Trocavam-nos por qualquer tipo de produto, miçangas, tecidos, condimentos, aguardente, fumos e principalmente armas que serviam para o fortalecimento e a manutenção das guerras fratricidas. Não faltando ainda às intrigas intertribais fomentadas pelos interessados no material humano na busca de manter constantemente as guerras que ampliavam a quantidade do produto a ser comercializado.
Oriundos do Senegal, Gâmbia, Costa do Ouro Dahome, Guiné, Mina, Benin, Angola e outras feitorias anglo-portuguesas, desembarcavam em Salvador, Rio de Janeiro, Recife, Olinda, e no Porto da Galinha, donde seguiam para as diversas regiões do país a fim de serem distribuídos nos diversos setores de trabalho, de acordo com o tipo físico, aptidões e grupos tribais.
A maioria dos escravos provenientes da África para o Brasil e outras colônias era do litoral, pois os mercadores não possuíam qualquer infra-estrutura para uma maior penetração no continente negro e nem o tempo o permitia. Os dois grandes grupos culturais de Negros africanos trazidos para o Brasil foram os Sudaneses - Yorubá, Dahomeano, Hausa, Minas e outros - e Bantos. Há, ainda, alguns pronunciamentos de historiadores que afirmam apenas os Congos, Cabindas, e Angolas, sendo citado como um grande erro antropológico e histórico.
(Extraído de Eduardo Fonseca Júnior, Zumbi dos Palmares - A história que não foi contada)